O pai queria pôr o nome do bebê de Robert. A discussão começara daí. A mãe contrariava furiosa, passando a mão no barrigão de nove meses característico de senhoras grávidas, em atitude de defesa a criança:
-“Robert”, querido? O acordo não seria colocar o nome do meu pai no menino? Pois, então! O nome do meu pai era Roberto! Ro-ber-to! Não, Robert!- ela enfatiza.
-Uma letra a mais, uma a menos. Não fará diferença.- ele replica.
- Robert é nome de gringo. – ela quase sussurra como se o fato de dizer a palavra “gringo” pudesse ser contra lei ou que algum vizinho escutasse e a repudiasse por dizê-la.
- É nome de gringo? Ótimo! Quem sabe o garoto não vença na vida por isso?
Uma semana depois a bolsa estoura, corre-corre para o hospital e, inevitavelmente, nasce o rebento. Na hora de batizar o pai não titubeia: Robert da Silva, diz todo orgulhoso, puxando pelo “r”.
-Francamente... Robert da Silva?- a sogra reclama baixinho, mas depois releva. Afinal, por mais estranho que lhe pareça, neto é neto.
Mais eis que o Robert cresce porque essa é uma atitude das mais fáceis da vida e, tendo talvez como impulso a previsão do velho pai, torna-se pródigo, vencedor,enfim, conhece o tão aclamado sucesso que muitos sonham e poucos sequer descobrem existir. The best of the best.
Sua rotina não poderia ser melhor. Acorda de uma bela noite de sono, em sua cama king size (onde, por sinal, sonhou com a Cindy Crawford) e vai direto tomar seu breakfast. Saciado, nosso amigo faz um jogging de uma hora que sua personal trainer recomendara. É até muito bem recomendado, já que o exercício acalma para o engarrafamento que ele pegará.
-Fazer o que? É o rush... – comenta com seus botões, ligando o CD player do carro. Cantarola umas seis músicas dos Rolling Stones até chegar no trabalho. Lá o briefing tem que estar pronto até o happy hour. E o brainstorm começa...
Sai do trabalho lá para as sete horas e resolve se divertir. Por comodidade ou falta de criatividade, os leitores que decidam, vai para o shopping. Chegando lá, vem a pergunta: Hamburger do Mc`Donals ou do Bob´s? Dispensa o milkshake, mas olha furtivamente para um sundae.
- Ah, refrigerante diet, por favor.- diz, apalpando a barriga da idade e com um pouco de consciência pesada. Que a personal trainer não saiba daquele lanche.
Saciada a fome, aproveita já estar próximo e resolve assistir a um filme do cinema. Checa os posters e escolhe um do Spielberg, só pra descontrair. No caminho pesquisa os preços dos laptops. “25% off. Interessante...” Os pen drives também estão vendendo bastante. O filme é maravilhoso, com o som surround quase ensurdecendo os espectadores com os tiros espaciais no melhor estilo hollywoodiano. Lembrava muito Star wars.
De repente, toca o ring tom de seu celular. Algumas pessoas chegam a se importunar, mas ele atende a tempo. Tapa a boca para não atrapalhar o filme, mas escapa um suspiro de surpresa ao notar que quem ligou foi o seu médico:
- Doutor? Eu estou no cinema. O que houve?
- Receio ter que dar más notícias. Descobrimos algo no seu check up...
Sai do cinema com o celular da mão, completamente atrapalhado, esbarrando nas pessoas. O filme não parecia ter tanta importância agora. Evidentemente o mocinho salvaria a mocinha e venceria o vilão com uma explosão gigantesca mesmo. Isso já estava fadado quando o cast apareceu no início do filme. Aliás, já poderíamos supor isso nos trailers, antes do longa começar.
- Pronto, doutor. Agora já poso falar. O que deu no meu check-up?
- Você tem estrangeirismo. Em fase terminal.- o médico revela de forma grave. O semblante de Robert fecha.
- É muito grave?
- É uma terrível virose e, lamento dizer, incurável.
- M-mas não tem como reverte-la?-gagueja- E se ficasse lendo Macunaíma minha vida toda? Não daria certo?
- Infelizmente, não. É um problema irreversível. O senhor, entretanto, deve evitar palavras em inglês.
- Impossível, doutor. Eu estou no shopping!
- Saia daí imediatamente! Fique longe principalmente dos fast-foods!
- Ai, Meu Deus! Já estou saindo. Só vou pagar o ticket do estacionamento e...
-Não diga a palavra “ticket”! Vai piorar sua condição! Sr. Robert... Sr. Robert? Alô? Sr. Robert?
Mas já era tarde. Nosso herói não existia mais. O enterro, porém, foi lindo com os amigos cantando “Imagine” de uma forma emocionante. No túmulo foram dispensadas frases melosas de honra a marido, pai ou filho.
Simplesmente estava escrito “the end”...
Conversas de elevador
Há 14 anos